sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Lições da literatura de auto-ajuda

Uma das coisas que gostaria de entender - e são tantas! - é o porquê da literatura de auto-ajuda ser tão apreciada por milhões de pessoas.
Claro. Há explicações simples, tais como:
A grande maioria das pessoas é simplória.
É verdade. Mas uma explicação dessas serve para a literatura de auto-ajuda, para grande parte dos programas de TV, para os gigantescos shows de música pop etc etc.

Eu procuro uma explicação mais específica. Quero entender por que multidões se enternecem com a literatura de auto-ajuda, mesmo quando essa vem por atacado, em livros de várias centenas de páginas.

Uma das maiores - talvez a maior - das minhas dificuldades para decifrar esse enigma seja meu fraquíssimo conhecimento dessa literatura. Conheço muito pouco da literatura de auto-ajuda. Pior: não gostaria de conhecer mais. Mas, feliz ou infelizmente, o Facebook e os powerpoints que me mandam por e-mail me fazem travar contacto com ela.

Então, vamos lá.
Partamos de um exemplo:


O texto começa com a constatação de que pássaros comem formigas, mas depois de mortos são comidos por elas. Nem sei se isso é verdade, mas deve ser. Nunca fiquei a observar um pássaro até o sublime instante de ele saborear algumas formigas. Quanto ao tal fenómeno inverso, é verdade que já vi formigas a devorar baratas. Com um bocadinho de esforço posso imaginá-las a comer um pássaro.
O que interessa aqui é que parece que os textos de auto-ajuda começam sempre por alguma constatação factual dificilmente questionável. É uma forma de ganhar, logo de início, a concordância do leitor.
Se eu começo por dizer algo como: a chuva molha, quem me lê já estará a concordar comigo desde o começo. Um bom começo.
Como consegui a simpatia inicial de meu leitor, vou agora pegá-lo desprevenido:
Tempo e circunstâncias podem mudar a qualquer minuto.
Beleza. Joguei uma segunda frase em cima de um leitor já despido de resistências.
Mas, como estamos atrás de um entendimento da mecânica da auto-ajuda, vamos parar um bocadinho nessa frase.
Quer ela dizer que duas coisas podem mudar a qualquer minuto. Quais são elas? Ora, o tempo e as circunstâncias.
Alto lá! Quer dizer que o tempo pode mudar a qualquer minuto? Eu diria que não só pode como não tem outra alternativa. Afinal, minuto é uma das medidas do decorrer do tempo. O tempo não só pode como, digamos assim, é obrigado a mudar a cada minuto. A menos que se trate, aqui, do tempo climático. O texto que vem lá pra frente indica que não.
Quanto às circunstâncias, seje lá o que seje isso, podem mudar ou não. Depende das circunstâncias.

Mas voltemos ao nosso leitor ávido de ensinamentos simplórios: como já foi agarrado pela primeira frase, bastante factual, ele engole a segunda sem parar pra pensar.

A partir daí o autor do texto, seguro de ter o leitor a seu favor, toma coragem e parte para a conclusão:
Por isso, não desvalorize ou machuque ninguém e nenhuma coisa à sua volta.
Por isso é - aqui - o elo de ligação lógico entre as premissas e a conclusão.
Quer dizer que já que formigas e pássaros se devoram mutuamente eu não devo machucar ninguém? A conclusão lógica não deveria ser exactamente o contrário?
Se formigas e passarinhos, seres tão valorizados em relação a, por exemplo, cigarras e ratos, fazem toda essa maldade uns com os outros, por que diabos eu não devo machucar ninguém?!
Nem desvalorizar?
Quer dizer que porque formigas e pássaros se devoram mutuamente eu nem posso dizer, de alguém:
- Esse sujeito não é lá essas coisas que dizem...

Continuemos.
Você pode ter poder hoje, mas, lembre-se:  o tempo é muito mais poderoso do que qualquer um de nós.

Vou deixar de lado o facto de que o (a) autor(a) do texto distribui vírgulas como quem joga queijo ralado em espaguete. Só quero assinalar que essa mania parece permear todos os textos de auto-ajuda.

Quanto ao conteúdo: agora que você já foi dominado pelo texto, o autor deita e rola. Se ele dissesse algo como o infinito é mais poderoso do que qualquer vassoura, daria no mesmo.

Porra! Qual é o significado de o tempo é muito mais poderoso do que qualquer um de nós ?!?!
Mas o leitor, já inebriado pelas assertivas anteriores, pensa logo: É verdade. Estou a tornar-me velho. E isso é inevitável.
Diga-se, a bem da precisão, que não é inevitável. Pode-se morrer jovem.
Mas o leitor, que ao que tudo indica ainda não partiu desta para melhor, está a ser vencido - mesmo - pelo poderoso tempo. Ou, mais ainda, pelo poderoso texto.

Agora, à guisa de fecho, vem mais um facto:
Saiba que uma árvore faz um milhão de fósforos, mas basta um fósforo para queimar milhões de árvores.

Lindo! É certo que se trata de uma metáfora. Afinal, fósforos - que eu saiba - não nascem em árvores. Mas a essa altura o (a) autor(a) já se pode conceder certas liberdades poéticas. O leitor já está de quatro.

E vamos a mais uma conclusão lógica:
Portanto, seja bom! Faça o bem!

Não sei como os tais fósforos levam inevitavelmente ao preceito de que se deva ser bom e fazer o bem.
Mas se a conclusão é boa, vale tudo.

Seria mais curto dizer:

Seja bom e faça o bem. Isso é bom e faz bem.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O devorador de livros

Parece que a expressão devorar livros já teve seus momentos de literalidade.

O profeta Ezequiel que - tudo indica - era louquinho de pedra, protagonizou um desses instantes.
Aliás, o facto de ele precisar de um bom tratamento psiquiátrico não invalida a veracidade de suas palavras, por constarem do livro totalmente inspirado por Deus, a Bíblia.
O relato dele:

Mas tu, ó filho do homem, ouve o que eu te falo, não sejas rebelde como a casa rebelde; abre a tua boca, e come o que eu te dou.
Então vi, e eis que uma mão se estendia para mim, e eis que nela havia um rolo de livro.
E estendeu-o diante de mim, e ele estava escrito por dentro e por fora; e nele estavam escritas lamentações, e suspiros e ais.
Depois me disse: Filho do homem, come o que achares; come este rolo, e vai, fala à casa de Israel.
Então abri a minha boca, e me deu a comer o rolo.
E disse-me: Filho do homem, dá de comer ao teu ventre, e enche as tuas entranhas deste rolo que eu te dou. Então o comi, e era na minha boca doce como o mel.

(Ezequiel 2:8-10 e 3:1-3)

Advertência: vá com calma. Talvez nem todo livro tenha esse sabor.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Graças a Deus?





O vídeo acima procura mostrar a pessoas que vivem no bem bom de países desenvolvidos como são ridículas suas queixas quando comparadas à situação de crianças de países como a Somália.

Até aí tudo bem, ainda que não me agradem tais aulas de Felicidade Comparada. Mas isso já é questão de gosto.

O que me irrita nisso tudo é que, ao final, o vídeo ensina que se deve dar graças a Deus por tudo de bom que se tem, haja vista que há os que nada têm do tudo que temos.




Então ficamos assim: Deus é aquele Todo Poderoso que resolveu nos dar um monte de regalias e deixar na mais absoluta merda outros seres humanos tão criados por Ele quanto nós.

Sei que as explicações já estão prontas há milénios, mas não resistem à lógica mais elementar. Os desígnios divinos são insondáveis etc etc.

Quero ver explicar isso a um somali faminto.

sábado, 24 de novembro de 2012

A presepada do Papa

Quando eu era garoto, meu pai costumava lembrar a piada do português morador do Rio de Janeiro. Parado junto à estação das barcas que levavam a Niterói, olhava calmamente as águas da baía de Guanabara quando alguém se aproximou dele, com ar de preocupação:
- Joaquim! corre pra Niterói que tua mulher está a passar muito mal.
Mais que depressa, o português comprou bilhete e embarcou.
Ao longo da travessia, começou a colocar as ideias em ordem:
- Ora pois! Eu não me chamo Joaquim, não moro em Niterói e não sou casado. Que diabos estou a fazer?!

Lembrei-me mais uma vez dessa história a propósito do papa Bento 16. Ele acaba de escrever, em seu livro sobre a infância de Jesus, que no local de nascimento do Cristo não havia animais. O presépio tem de ser alterado, com a retirada da vaca e do burro.

Ora pois, diria o falso Joaquim.  Jesus não nasceu em Belém, nasceu em Nazaré; não houve recenseamento algum na época, muito menos matança de crianças ordenada por Herodes ou por quem quer que seja. Tampouco houve fuga da família de Jesus para o Egipto.

E o gajo está a querer dispensar a vaca e o burro!

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Novo desejo

Diante da revelação de hoje (que os portugueses sentir-se-iam desconfortáveis com um presidente homossexual e, em segundo lugar, com um presidente acima dos 75 anos), passei a desejar ser Presidente da República daqui a oito anos, quando então terei 75 anos e me tornarei paneleiro.

Os grandes machos que governaram Portugal até agora conseguiram reduzi-lo ao estado actual.

Ser jovem, ao que me conste, também não chega a ser virtude. Talvez privilégio. Talvez.

Com tanta asneira que já fiz, em política, quem sabe ao tornar-me ancião e viado consiga produzir algo de bom.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Minha segunda bicicleta

Quando me preparava para o exame de admissão ao Ginásio (na época, no Brasil, fazia-se o Curso Primário dos 7 aos 10 anos e depois o Ginásio, dos 11 ao 14) meu pai, absolutamente descrente de minha possibilidade de aprovação, provocou-me com a promessa de uma bicicleta, caso fosse aprovado.
Uma vez aprovado, cobrei dele a promessa. E recebi minha maior companheira de infância e parte da adolescência.
A bicicleta me permitiu uma liberdade com a qual pouco sonhara.
Santos era cidade plana. Possuir uma bicicleta dava a seu proprietário a possibilidade de percorrer praticamente toda a cidade a bordo da magrela.

O tempo passou. Voltei a ter uma bicicleta aos 38 anos. Morava, então, em São Paulo, perto do Parque do Ibirapuera. E ia lá passear sempre que o trabalho me permitia. Mas, por uma série de razões, essa bicicleta dos anos 80 foi paixão fugaz.

Chegado a Portugal comprei uma nova bicicleta. Com marchas, coisa que jamais experimentara. Ocorre que, além de já estar em meus 67 anos, tenho a aorta dilatada. O que não me recomenda esforços excessivos.

Essas duas últimas, portanto, não contam.

Hoje adquiri minha segunda bicicleta, uma ebike Smart.


É cara pra burro, mas minha aorta merece. Você pedala o tempo todo mas - quando necessário - com a ajuda do motor eléctrico.

As ciclovias de Bragança ganharam mais um utente!

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Cinquenta tons de idiotice

Assisti, no noticiário das 20 horas na RTP1, a uma matéria a respeito do livro As Cinquenta sombras de Grey (ou Cinquenta tons de Cinza, no Brasil).
É bom ir dizendo logo que não gosto de best sellers.
Como costuma afirmar Janer Cristaldo, se um livro agrada a milhões de pessoas, não pode ser bom. Afinal, não existem milhões de pessoas inteligentes no mundo  (vamos deixar de lado os livros que foram feitos para usar no sovaco, como a Bíblia. São os livros-desodorantes).
No caso do 50 tons, trata-se de livro que já vendeu dezenas de milhões de exemplares em dezenas de países.
E, diga-se, é uma porcaria de centenas de páginas.
Qual o mérito de ler um livro desses?
É por essa e por outras que não tenho lá grande simpatia por páginas na Internet (no Facebook, por exemplo) do tipo Eu amo ler.
Depende do que se lê.
Ler, assim, verbo intransitivo, não significa nada para mim. Há muito hipocondríaco que adora ler bula de remédio.
Para ver como é relativa essa paixão pela leitura, basta lembrar da quantidade de livros de auto-ajuda que as pessoas devoram.
Pior: lêem e publicam partes no Facebook e em blogues.
Daí que tanto faz: Eu amo ler ou Eu detesto ler. 
Tudo depende do que se coloca debaixo do nariz.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Corações de pedra, cérebros de... barro

No Diário de Notícias de hoje, o sr. Alfredo Barroso (que não se perca pelo apelido), comentador e fundador do PS, atribui aos executores da política de austeridade corações de pedra.
Como é já praxe nos textos que combatem a austeridade, nenhuma alternativa é proposta.
Mas o que me leva a comentar o artigo desse senhor decorre da minha estupefacção diante da cavalar ignorância do mesmo em relação a assuntos que ele mesmo traz à baila.

Diz ele: O seu ideário [o dos fanáticos neoliberais que estão no poder] está resumido na fórmula“D- L- P”, que significa: I) Desregulação ( da economia); II) Liberalização ( do comércio e indústria); III) Privatização ( das empresas do Estado). Há quem já não se lembre dos primeiros “laboratórios” do neoliberalismo: o Chile de Pinochet e dos Chicago Boys; o Brasil da ditadura militar e de Delfim Neto; a Argentina da junta militar e de Domingo Caballo.

Dizer que um governo como, por exemplo, o de Ernesto Geisel foi dado a privatizações é ignorar estupidamente o facto de que foi um governo cuja maior diversão foi a criação de empresas estatais.

Quanto a relacionar Delfim Netto aos neoliberais vem a ser asneira do mesmo calibre. É verdade que, quando foi embaixador do Brasil na França, Delfim  chegou a receber a alcunha de embaixador 10%.  Isso talvez o situe entre os neoliberais. O estado em que os socialistas deixaram Portugal parece indicar que  são simpáticos a   percentuais bem mais elevados.


quarta-feira, 14 de novembro de 2012

História do Brasil segundo Emir Sader

Nosso doutor em Lênin começa a contar essa história a partir de 1930. Até então, segundo ele, “a direita brasileira dispunha a seu bel prazer do Estado”. Tal como agora, diria eu, faz o PT.

A primeira maldadezinha vem logo no primeiro parágrafo. “Washington Luiz, carioca adotado pela elite paulista, como FHC – que afirmava que 'Questão social é questão de polícia' . Ou seja, como FHC (Fernando Henrique Cardoso) também é carioca que fez sua carreira política em São Paulo, tal qual Washington Luiz, tornou-se co-autor da famosa frase do presidente que ganhou mas não levou.

Como se verá adiante, o golpe de 1.964 instaurou uma ditadura. Já quanto ao Estado Novo, Emir passa batido: “Com o surgimento da primeira grande corrente de caráter popular, a direita passou a ficar acuada. A democratização econômica e social foi seguida da democratização politica, com o processo eleitoral consagrando as candidaturas com apoio popular.”

Mais de uma década de ditadura getulista transforma-se em “democratização econômica e social (…) seguida da democratização política.” Então, poder-se-ia dizer do golpe de 64 que foi um período – sei lá – de algumas vitórias no futebol seguido de abertura política, com anistia.

Sobre o período subsequente, o autor parece afirmar que as eleições de Dutra, Getúlio e Juscelino foram vitórias “populares”. Não deixa de ser verdade, já que a maior fatia dos votos conferia ao vitorioso a chancela do tal “povo”. Mas também é verdade que na eleição de Dutra havia um adversário do Partido Comunista que ficou em terceiro lugar. É de supor-se que o candidato do PC não representava a “direita”. Também na eleição de JK tivemos o eleito com 35,68% dos votos, contra 64,32% dos representantes da “direita”. A menos que o doutor Emir resolva estabelecer vínculo entre os demais candidatos e as “forças populares”: o general Juarez Távora (30,27% dados ao candidato da UDN, símbolo máximo da tal “direita”), o populista Adhemar de Barros (25,77% dados ao criador da tradição do “rouba mas faz”) e, last but not least, Plínio Salgado (8,28% dados ao candidato integralista, versão tupiniquim do fascismo).

Curioso, o que vem a seguir: Emir afirma que a “direita” só poderia ganhar caso conseguisse que prosperasse sua tese de que o voto de um médico ou de um engenheiro valesse dez vezes o voto de um cidadão qualquer. A tese, é óbvio, não resultou e – no entanto – a “direita” ganhou... Janio foi eleito.


O texto de Emir é mesmo um primor:

cada parágrafo desmente o anterior.

A direita, muito eclética, utiliza-se da ditadura militar, em seguida se vale de um “híbrido de ditadura e democracia” e instrumentaliza seus avatares Sarney (que Emir docemente constrangido evita citar por ser, agora, unha e carne com Lula), Collor e FHC.

Segundo nosso atilado analista, FHC levou o país a uma situação tão terrível que, a partir daí, o “povo” acordou de sua letargia e passou a eleger os baluartes de tudo que é bom e gostoso.

Sem outra saída, a “direita” passa de sua velha estratégia golpista, calcada nos militares, para uma estratégia que se baseia na tal de mídia e... em quem?, em quem?: no Judiciário.

O Judiciário passa a ser, empurrado pela mídia, instrumento das intenções golpistas da “direita” e – crime dos crimes! - condena os herois do PT à cadeia.

Como dizem meus conterrâneos: Valha-me deus! Esse Emir não conhece limites?
Vai passear na terra do ridículo até quando? 

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Uma rua que faz jus ao nome

(clique nas fotos para ampliá-las)

A rua Amália Rodrigues, em Bragança,



estende-se da av. da Dinastia de Bragança, da qual é travessa,


até a rotunda dos touros, oficialmente Rotunda do Lavrador Transmontano.


São uns 100 metros que dignificam a grande fadista.









segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O fujão indignado

Quase chegado aos 70 anos, poucas coisas me tiram do sério.
Uma delas liga-se a um artigo de Emir Sader, que li hoje em seu blogue, no qual pergunta aos ministros do Supremo Tribunal Federal brasileiro (STF) onde é que estavam durante a ditadura.


Tudo isso por estar em campanha aberta de desmoralização do STF por este ter condenado à prisão alguns líderes do Partido dos Trabalhadores (PT) responsáveis pelo chamado mensalão.

Ora, onde estavam esses senhores durante a ditadura deveria ter sido preocupação dos mesmos líderes do mesmo PT quando Lula e/ou Dilma os indicaram para o cargo de ministro do STF (dos 11 ministros, 8 são indicações deles).

Onde estavam esses senhores eu não sei, nem me interessa. O que sei é onde estava Emir Sader.
Ele militava, assim como eu, no clandestino Partido Operário Comunista (POC) e, ao primeiro indício de que corria o risco de ser preso, fugiu para Paris. Lá ficou até quando lhe apeteceu. Enquanto isso, ficámos nós a conviver com a bancarrota da visionária esquerda revolucionária, até sermos presos. Que eu saiba, ele nunca passou uma noite em prisão. Tortura, nem pensar.

A indignação dele sabe a mea culpa.

sábado, 10 de novembro de 2012

Fascistas elegem prefeito do PT em São Paulo

Outro dia, a filósofa Marilena Chauí gastou saliva para provar que a classe média paulistana é fascista (ou protofascista. O proto-   costuma ser usado para amenizar o xingamento...).
É verdade que não teve a menor preocupação em definir o que entendia por classe média. Antigamente, os marxistas delimitavam classes sociais pela maneira como se inseriam no modo de produção.
Pelo que entendi da palestra da doutora, classe média, para ela, é o grupo social das pessoas que ocupam duas ou mais vagas com um único veículo ao frequentarem um estacionamento.
Com definição ou sem definição, a dita celebridade provou que a tal classe média paulistana é fascista (para ser exato, disse que costuma dizer que a cidade de São Paulo é protofascista. Mas se deteve particularmente na caracterização dessa ideologia na classe média).

Daí resulta explicado por que a população paulistana elegeu, ao longo dos últimos anos, tantas porcarias. Diga-se que, para ela, as porcarias são como os tomates dos quais é feita a massa de tomates industrializada: são seleccionadas. Serra, Kassab e Pitta são porcaria. Já Maluf é engenheiro, logo não porcaria. Marta e Erundina, nem pensar. Mas essas últimas pérolas já constam de outra palestra da verborreica professora.

Tudo isso foi pacientemente ministrado a uma plateia de estudantes à véspera das eleições para prefeito, agora em 2.012, em um momento em que o candidato do PT estava lá atrás na preferência do distinto público (3º lugar). Previa-se um(a) segundo(a)  turno(volta) entre Celso Russomanno e José Serra.
O primeiro é daqueles que (desconfio) se acha - ele mesmo - uma porcaria. O segundo, claro, é porcaria - para o PT - por questão de princípio.

Aliás, um breve mas necessário parêntesis: discordo dos que pensam que o PT não tem princípios. O problema do PT é não ter fim.

Mas voltemos à filósofa  Chauí. Taxar a tal classe média paulistana de fascista tinha o objetivo de explicar por que o candidato/poste do ex-presidente em exercício Lula não conseguia crescer na preferência popular.

Pois bem: no final o poste foi eleito. Ou toda  - e apenas - a classe média votou em Serra ou os fascistas ajudaram a eleger o prefeito do PT.
Ou pode ser que a classe média tenha aprendido a estacionar direitinho.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Dízimo do desejo

Fui criado em igreja na qual o hábito de dar o dízimo era estimulado nos fieis. Mas dízimo, no caso, era a décima parte dos rendimentos mensais do crente.

Agora há pouco, liguei a TV e descobri que a ZON colocou novos canais à minha disposição, entre eles o canal da Igreja Mundial do Poder de Deus, do apóstolo Valdemiro Santiago. Aliás, agora se trata da World Church of God's Power, ok? Notem que não coloquei aspas no apóstolo. Os fieis de denominações mais tradicionais, particularmente os católicos, costumam protestar contra os títulos que se atribuem os Edires Macedos, Valdemiros Santiagos, R. R. Soares, casais tipo Sonia e Estevam Hernandes  etc etc. Ora, ora: o tal Saulo, que transformou-se em Paulo, resolveu - por conta própria - tornar-se apóstolo e a coisa pegou. E olha que ele nem conheceu Jesus pessoalmente, a não ser em suas alucinações. Depois de apóstolo virou santo e, mais recentemente, nome de metrópole... Por que cargas d'água o carismático Valdemiro Santiago não pode dizer-se apóstolo? Ao menos não é feio como era Paulo, que era baixinho, de pernas arqueadas etc e tal. Mas volto ao dízimo.

O pastor (bispo?) que falava a um público de mais de 6.000 fieis quando sintonizei o canal, explicava como deveria ser preenchido o envelope no qual deveria ser depositado o dízimo. Era preciso preencher nome completo etc e tal. Mas o mais importante: o dízimo deveria ser 10% do rendimento mensal que o fiel gostaria de receber. E dava exemplo:
- Digamos que você queira receber R$ 5.000,00 no mês. Deve, então, dar R$ 500,00 de dízimo.

Trata-se de mais um avanço na exploração do desejo.

sábado, 3 de novembro de 2012

Sinais

São sinais ainda ténues, é verdade, mas anunciam a aproximação de melhores dias para Portugal.
Taxa de desemprego começa a cair. Já um banco português volta aos mercados, sem aval governamental.

Se é facilmente compreensível a angústia e revolta de muitos diante das medidas de austeridade, é preciso também reconhecer:
1. não há alternativa visível à austeridade a não ser na fantasia de uma esquerda jejuna do poder ou no saudosismo sem memória de viúvas de Salazar;
2. não leva a nada apontar exorbitâncias dos membros de governo ou de seus protegidos. Tais posturas dos detentores actuais do poder são moralmente condenáveis mas - caso eliminadas - isso não tiraria Portugal da crise. Apenas minoraria - quem sabe! - a amargura dos que entendem que um mundo em que todos fossem anjos seria um paraíso.

Podem reclamar à vontade. Isso é salutar.

Mas deixem o actual governo executar seu programa. Qualquer desvio de rota, agora, cheira a suicídio.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Reserva

Estávamos, até hoje, a receber a visita de um casal amigo. Cada dia procurávamos fazer um programa diferente e interessante para que eles conhecessem um bocadinho de nossa região.
Fomos à Feira da Castanha, em Vinhais, fomos a Passos, claro, a Mirandela, a Zamora.
Ontem resolvemos levá-los a Chaves, no distrito de Vila Real, para que conhecessem as termas de lá.
O almoço, pensei, seria no Leonel, restaurante junto ao aeródromo de Chaves, em que o pernil é uma das especialidades.
Acontece que o Leonel é restaurante muito concorrido. Se você chega poucos minutos depois da abertura para o almoço, já não encontra lugar disponível.
Previdente, resolvi telefonar para reservar quatro lugares. Expliquei à senhora que atendeu ao telefone que éramos dois casais, que iríamos de Bragança e - por isso - chegaríamos um tanto mais tarde, lá pelas 14 horas. Ela perguntou o que queríamos almoçar. Como não sabia qual seria a escolha do casal de amigos nossos, mas sabia que o pernil de lá é muito bom, decidi por todos nós: queríamos pernil.
A doce senhora explicou que nos guardaria dois pernis pois era prato que acabava logo.
Dei meu nome e comecei a sonhar com o pernil.

Chegámos ao Leonel exactamente às 14 horas. Havia gente a transbordar da porta de entrada.
Confiante em minha reserva, entrei e me dirigi ao indivíduo que aparentava ser o organizador de tudo.
- Boa tarde. Tenho uma reserva...
- Ah! os dois pernis, não? Estão guardadinhos! Mas terão de aguardar uma horita.
E me forneceu um papelucho com uma anotação incompreensível.
- Mas fiz reserva! protestei.
E ele, impassível:
- A reserva é da comida. Não da mesa.

Volto lá, talvez, na próxima encarnação.